segunda-feira, maio 15, 2006

O evangelho de Judas

No meio de uma poderosa campanha publicitária foi publicado recentemente o chamado evangelho de Judas. O destaque dado a este texto reacendeu antigas polémicas teológicas e veio alertar os cristãos para a urgência da formação da fé.

A revista National Geographic publicou, na sua edição de Maio, o conteúdo de um textoo do século IV intitulado o evangelho de Judas. O manuscrito em papiro foi descoberto nos anos 70 no Egipto. Tem 26 páginas, e supõe-se que seja a tradução copta de um outro do século II. Este evangelho apócrifo já era conhecido por uma referência de Santo Irineu, bispo de Lyon, no século II que denunciava as heresias nele contidas. Consideram-se evangelhos apócrifos (do grego oculto, não autêntico) os textos atribuídos a figuras destacadas do cristianismo primitivo mas que não foram aceites pelos primeiros cristãos por conterem doutrinas contrárias à sua fé.

O texto agora descoberto foi estudado por especialistas em paleografia e cristianismo copta. Segundo estes estudiosos o evangelho apócrifo de Judas devia ser um texto grego de origem gnóstica, escrito pela seita dos cainitas, em meados do século II. Esta seita destacava todas as figuras negativas das escrituras judaicas e cristãs, como a serpente tentadora, Caim (daí o seu nome), Esaú e Judas. A publicação deste manuscrito constituiu um grande acontecimento mediático. A sua publicação dois dias antes da Páscoa e a campanha subjacente para a reabilitação da figura de Judas deram grande eco ao evento.

O texto contribui para conhecer melhor o ambiente cultural e religioso onde os primeiros cristãos cristãos viviam. Todavia, teologicamente, o papiro não traz qualquer novidade. O seu conteúdo é claramente gnóstico. O gnosticismo era uma corrente filosófica e religiosa que defendia que a salvação se alcançaria através de um exercício intelectual, adquirindo a sabedoria. O gnosticismo tem uma atitude negativa em relação ao mundo. O gnosticismo defendia que o mundo é mau e que os seres humanos possuem uma partícula divina em si que precisa ser libertada da prisão deste mundo.

Uma frase do evangelho de Judas que Jesus dirige ao seu discípulo “Irás superá-los a todos, pois sacrificarás o corpo que me reveste” ilustra o pensamento dos gnósticos. Eles defendiam que através da sabedoria podia-se libertar o divino que há no homem. Por outro lado, eles não aceitavam a divindade de Jesus, nem a humanidade de Cristo. Jesus era apenas uma “máscara” de Deus. Cristo não teria corpo físico e, por isso, Jesus Cristo não podia ter sofrido nem morrido na cruz.

Os evangelhos apócrifos foram recusados pelos cristãos dos primeiros séculos porque totalmente contrários ao núcleo central da sua fé: a encarnação de Jesus Cristo. Ao contrário do Jesus divulgado pelos apócrifos, o Jesus dos Evangelhos canónicos é um Jesus humano, próximo de nós. É um Jesus que tem sede, chora, angustia-se, irrita-se, sofre e morre. O Jesus dos apócrifos é um Jesus que só fala e faz discursos intermináveis; é um Jesus distante da vida real, ou como defendiam os gnósticos era apenas um homem a fingir, Deus com uma máscara humana.